sexta-feira, julho 31, 2020

Non sense

Eu não sei escrever nada sem sentido.

Por mais que o sentido não seja atingido,
Minha escrita tem alma e corpo
E sangue e fluido e vida.

Quando viva, pulsa firme e continuamente
Como teimoso que ousa bater de frente
Com o próprio pai em algo que
Nem certeza tem
Se está certo ou não.

O tempo passa, as coisas mudam, e
Seu autor nem é mais o mesmo,
Seu tema não tem mais o mesmo ponto de vista,
Seus erros já podem ter sido corrigidos
E sua razão de ser não é mais.

Metamorfoseia-se em fóssil
De memória que não soube ser finita,
Pois ao ser registrada ganhou
A própria imortalidade.

Perderia o sentido se morresse,
Mas não morre, ao invés disso
Sublima suas palavras em sentimento
Que pulsa firme e continuamente,
Mesmo que não seja compreendido.

Ainda assim, ao ser sem sentido para
Aquele que a lê, cria-se um sentido
De ausência de sentido que
Nunca será sentido por mim.

Neste matagal sem cachorro que é,
A interpretação permite a vida
Em um ecossistema completo
(E complexo)
Onde o objetivo não encontra leis,
Onde o subjetivo domina e,
Quem não está preparado para ler,
Não lê, não alcança e não vive
O que a escrita pede para sentir.

Pois do que é feita a escrita
Senão da vida do próprio autor
E de suas experiências
E memórias
E teimosia
Em compartilhar algo que para ti não faz sentido,

Mas,
Em sua vida e fluido e sangue e e corpo e alma
Em sua simbologia protetora, encerra em si
Um sentido,
Frágil e potente,
Que há, está e é.

sábado, maio 02, 2020

Inspiração

A vida não é um momento bom, tampouco ruim.
Não é uma memória do passado agora longínquo, não é aquele momento rememorando quando presente.
Não são essas negações, nem seus inversos.

Ela está.
Flutuando no mar do tempo, num tempo que ora é ensolarado, ora um lindo nublado, ora uma divina tempestade.
Ora.

É isso. É aquele momento que não cabe na mão, que escapa das palavras, que está muito além dos limites do corpo.
São nossas relações, são nosso trabalho e nosso estudo e nosso aprendizado e nossa aspiração de vida. De vida.
Sagrada por si. Emana, independente. Existe.

Cada instante de sono, de sonho e de pesadelo.
Tudo que nos acompanha, pois nós a acompanhamos até que, enfim, deixa de ser uma coisa e se transforma em outra.

Vira memória, vira a energia que deixamos no que é possível deixar.
Uma vivência que continua a arder.

A vida é sentir.

Eterno enquanto dure

Quando você ama, você acha que é para sempre.
Aquele sentimento único, intenso. Todo o bem-estar envolvido.
O brilho dos momentos, o calor da energia.
O prazer de simplesmente estar junto.

Porém, o tempo. Ele age.
Aquele eterno transforma-se em um desbotado "quem sabe até quando?"
Ou um "jamais veria novamente"
Ou um... enfim! Tanto faz.

Ao retornar na memória, vê-se uma chama que
Não importa quanto tempo passe, enquanto for possível se lembrar
Daquilo que agora pode ser dor,

Ou saudade, ou emoção, ou nostalgia,
Ou um quentinho único, intenso. Ali, aquela ilusão de para sempre
Mostra-se real, enquanto existir.

domingo, abril 26, 2020

Fogo

Toda uma existência pesarosa por si.
Toda uma experiência que transborda o corpo
(e corre para onde?)
De repente. Assim, de repente. De um segundo para o outro. Do centésimo do milésimo do infinitésimo
(onde está!?)

Luz.

Desperta o guardador de rebanhos. Aquele que (ainda) nega sua função, mas que sente desde sempre para o que estava sendo preparado
(por quem?)
O guardador de coisa alguma.
Nada de animais, vestimentas, máscaras, estéticas.
Nada de família, de amigos, de festas.
Nada o pertence.
Por isso, e somente isso, a ele tudo pertence.

Floresce, então, para o amanhecer.
Na companhia da família, de amigos, numa festa!
Na companhia de estéticas, máscaras, vestimentas e animais! Vida!

Luz que irradia e contagia do jeitinho que precisa contagiar.
Luz que existe assim, e somente assim, e somente por isso, ela existe.
Ilumina e se ilumina.
Aceita a noite, se acolhe e dorme para assim irradiar mais ainda!

Ela não está em lugar nenhum.
Por isso, está em todo lugar.

sexta-feira, agosto 14, 2015

Reforma

Em um mundo abstrato de formas, selecionou as mais polidas
Que unidas compõem arte e separadas desfazem sentimentos.

Uma vida em andamento, sem espaço para a oficina
O desgaste governa sob o regime do tempo incolor
E a desilusão indica com propriedade os becos mais seguros.

Sua falta de partido lubrificou a clausura
(Talvez fosse o próprio material,
Mas essa certeza sumiu entre as opções não seguidas)
e causou a cegueira por falta de luz.

Se reage, se arrisca.
Se inerte, se arrasta.
Então aceita e se protege e se anula.

Que logo venha a lima.

segunda-feira, agosto 03, 2015

Ventos

Quantidades não importam por não terem motivos.
Motivos são a razão de ser, não o próprio ser
(já que, no fim, nada resta).

Quando o motivo se afasta, a graça se desgraça e o descuido se destaca:
Porque só se cuida do que interessa e o interesse é motivo.
Sem motivo, o cuidado é erro sintático.

A expectativa gera motivo etéreo e volátil,
Sua altura determina a dor da queda ou a glória do feito.
Quase nunca planejado, é risco espasmódico descontrolado.

É no motivo ferido, jogado ao chão e sem ar
Pela decepção, rainha suprema da evolução,
Que ressurge, necessário, o desejo de mudar.

sábado, novembro 08, 2014

Mancha

Mesmo com todo afeto oferecido, sempre se exigia mais.

As horas de companhia sem palavras, as recepções e saudações sempre animadas.
A satisfação sincera de simplesmente estar junto.

A felicidade do toque
agora é a tristeza da ausência.

Sem você é mais difícil ser humano.

17/7/2006-28/9/2014

sexta-feira, março 15, 2013

Póstumo

Agora a camada protege; agora a camada isola.

Se foi bom, virou acre. Se não foi, virou fixo.
Quando aconteceu, se foi. O que aconteceu, se foi.
A ordem dos fatores não alterou a polaridade do produto.

Defensivo. Negativo.

A saída chamou, seduziu, atraiu, sugou,
despressurizou.

Após tudo, mais tudo; e o após perde o sentido.

Intro

Ah, quisera eu expressar todo o interior com palavras como só um atropelamento por caminhão é capaz.

A sinceridade extrema e legítima e ácida; A verdade absoluta sem preocupar-se com a realidade feita por outros; A visceral, hedonista, egocêntrica e fétida exposição grotesca de si sem convidados na vernissage, a qual todo ser vivo recebeu um cartão de livre passagem; e, quando abre o museu, sou grito no vácuo; e, quando fecha o museu, sou comentário superficial.

Nunca serei protesto construtivo senão nojo contido.

terça-feira, junho 26, 2012

Onírico

Às vezes eu sonho, mas isto não afeta a realidade.
As cores não mudam e as lógicas não se retorcem no mundo em vigília sóbria.
Sóbria?

Todo sonho é uma imagem deturpada de uma imagem já deturpada.
A imagem é individual e o sonho é a própria individualidade.
Eu sou meu sonho e ainda assim a imagem não muda.

Perecível e limitado, o corpo recorta pra si a realidade que lhe convém tanto quanto o sonho o faz com nosso produto imaterial.
Alma?

A alma é tão ridícula quanto o físico, mas parece ser superior e grande — pois é dela que surge a sensação de existência e o sonho do eterno.
A alma é uma plataforma pequena para nossa ainda menor necessidade de existir.

A única, a base.

Ridícula, egoísta, estúpida e, mesmo assim, faz-me ter essa visão e fome de verdade absoluta e utópica em minha ignorância animal.
No fora de mim — e somente no fora de mim — tudo é real.
Real?

Não passa de campo neutro, desenho para colorir, radiação de luz em corpo sem sombra.

A sombra? Sou eu e somente eu.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo e toda forma que eu puder inventar sem saber que invento. Ad aeternum.

(Itálico: trecho retirado do quarto verso de Tabacaria, escrito por Álvaro de Campos)

segunda-feira, abril 02, 2012

Sobrevivência

Mente, sangue e vísceras, teu interior é teu santuário.
É tua estrutura, tua base, teu mundo.
Constrói e é construído;
Ataca e é atacado;
Adapta-se ou é isolado.

Relaciona-se com semelhantes, forma laços sociais
Biológicos, fraternais, proveitosos.
Constrói com a vaidade;
Ataca com o egoísmo;
Adapta-se com a mentira.

Organiza-se em circulos, forma sociedades
Financeiras, estatais, anônimas.
É construído por poder;
Baseia forças no dinheiro;
Autoafirma-se no sexo.

Incompatibilidades são punidas até a adequação,
Seja flexível, amigável, compassivo.
Abandone ideais ou ignore-os;
Apoie as atitudes que discorda;
Deixe-se diluir ou escolha a solidão.

segunda-feira, março 26, 2012

Latência

Minha paixão é efêmera, arde e se extingue por si mesma.

Falta resistência, consistência, conexões. Falta-a em si mesma.

Abrange todo o tempo enquanto existe. Toma-me para si mesma.

Sobra número e memória.
Sobra a falta de vontade e a ausência de expressão.
Sobra volatilidade.

É como uma mosca: vive pouco, atrapalha muito e deixa ovos em matéria podre.

sexta-feira, agosto 26, 2011

Diebus Fatalibus

Aflição.

O Inferno se sublima em sentimento e me habita, como parasita que se alimenta de ânimo.

A profundeza em chamas — que jamais existiu como no mito — gera pressão, e esta esmaga seus habitantes.


Decepção.

O real ganha forma de acordo com a volição, como parasita que se alimenta de ânimo.

A superficialidade por excelência — que jamais existiu como absoluta — não gera coisa senão ambiente estéril a ser preenchido.


Esperança? De que e para quem?

Não, nenhuma. O nome é expectativa, criada pelo medo do invisível e do inesperado.

Se é necessidade vinda do medo, diz-se coragem?

Se visa afastar o embate, diz-se precaução?

Surge da pressão e vira crença?


Algo injeta significado, outro aceita e reage.

Como máquina sem vida pede combustível, pedimos sempre mais significado — daí vem o crescer, o questionamento e a sensação de existir.

Entretanto, toda mecânica falha na escassez e no excesso; quanto mais se gasta ou mais se injeta, mais se perde força e mais se percebe a finitude do efeito. Daí se vai o crescer, o questionamento e a sensação de existir.

Sobra a mecanicidade frágil e débil. Nota-se, então, a faixa limitada que pode ser processada como informação construtiva. Todo o resto é destruição, desconstrução e inexistência.

Pede-se explicação e tudo ressurge de forma anti-explicativa. Clama-se pela Verdade, mas não a conhecemos senão por véus.


O dia acabou e agora tudo é noite e incerteza.

O dia acabou e os véus tornam tudo ainda mais escuro.


Quando definimos leis, falamos de acaso. Quando definimos acaso, falamos da única lei.

O interno é fantasioso e o externo é casca oca.

Somos nada senão ilusão.

sábado, agosto 20, 2011

Incômodo

I
O mendigo que dorme na frente da loja falida olhou para mim. Eu não olhei de volta.
Pensei comigo se ele foi o abandonador ou o abandonado.
Pensei, na mesma situação, em qual eu seria e concluí que o agradável é o não pensar.

II
A filtragem de informações se torna cada vez mais refinada.
Tanto pelo excesso de sujeira podre, que já limpa o grosso por si, quanto pelo tamanho das partículas que conseguem atravessar a camada final. Num momento passado, a grade espaçosa deixou muitos dejetos entrarem. Estes causaram algumas avarias, devido à grosseria do material.
Atualmente, a imundice é essencial para o grau de pureza interna. Vem requintada e auxilia a criação de novos micro-organismos (danosos ou não, desde que superem a seleção natural).
Chegado este ponto, a barreira de imundice vira o filtro. Agora tudo é imundice refinada.

Penso até quando isso vai importar. Se é que importa.
Penso, ainda, se futuramente haverá pureza.
Novamente, o agradável é o não pensar.

III
Tornei-me emocional. Egocentricamente emocional.
Toda transformação passa por um afunilamento chamado “introspecção”. Neste intestino intelectual — em que tais micro-organismos atuam — toda absorção é efêmera e todo processo resulta em fezes.

Extraí o etéreo do material. Deste, criei nova matéria.
Agora toda matéria é espírito e todo espírito inexiste.

IV
Toda mudança, sem julgamento de valor, é premeditada pelo incômodo.
O prazer gera inércia ou, se gera abalo, vira combustível de si mesmo.
Se não é o objetivo, torna-se.

O ideal é estar desagradado.
O ideal é ser desagradável.

terça-feira, junho 14, 2011

Autoestima

Lembro-me da infância, quando tinha uma estúpida e explícita diferença nós e eles, os grandes.
Majoritariamente respeitada, já que aqueles instruiam esses de pouca experiência e tinham o poder da altura e da força - tudo ao mesmo tempo. Mas tinham os rebeldes.

Hoje, dito adulto, vejo que a estupidez é ainda maior. A diferença continua, mas os argumentos para justificá-la são tão respeitáveis quanto cheios de sentido. Mas quando não foi?

Nem sempre entre pessoas ou fatos
Ou sentimentos
Ou si mesmos.
Não importa a relação, a sensação é circular e viciosa.

O problema surge quando a experiência se transforma em veneno.

quinta-feira, junho 02, 2011

Ser

I

A lâmpada da rua estava acesa
Ignorando toda a luz do sol
Irradiando sua própria luz
Mostrava sua força e energia


II

Tudo é ilusório e frágil
O que te dá a possibilidade de se iludir é igualmente ilusório e frágil

Não é possível ser algo
Intervenções externas e reações químicas dominam tua existência

Desfaça o que fez e encontrará teu espírito
Te encorajo a fazer e adianto que não conseguirá

O controle não existe senão no tempo


III

Se não há controle, não há sentido

Orgulho-me do que fui mas serei melhor
Agora, despeço-me dos inferiores

Fragilidade? Ilusão?
Aproveitarei da fragilidade para quebrar
E da ilusão para criar


IV

O novo sustentáculo me destaca.

Sinto os olhares e os julgamentos.
Sinto-me diferente dos demais
E considero a possibilidade
De toda essa vaidade
Ser completamente
Proposital.

Presunção?

O conforto se tornou incômodo,
O idealismo se tornou rígido
E a composição se tornou arrogante.

O novo sustentáculo me fez apear
E sentir um chão que não é.


V

A energia abalou a lâmpada
Agora a eletricidade circula, mas não flui

A Importância, em todas as suas aparições, surpreende pelos trajes
Consegue prioridade quando ganha a atenção

A Importância é fumaça de artifício
Ao resto, as sobras


VI

Eis que surge, originada do Infinito e do Sempre, a linha relativa
Segue com todos seus atributos relativos
Nada é certo além dela mesma

A dona do sentido não o aceitou para si e se mostrou irreal
Com sua inegável existência, ela se mostrou irreal
A Existência se curvou

Na linha relativa, o voltar e o parar não são verbos


VII

Frágil, o vidro ignora seu interior.
Superficial, ignora sua própria constituição.
Divino por sim.

Retirados os restos imortais, a Imortalidade surge.

sexta-feira, maio 27, 2011

Deslocação

Em tudo há a necessidade de completar lacunas, o fato ainda não consumado pede opinião
E nós, ignorantes do futuro e das incertezas, sem notar, as damos como fixas

A expectativa, quando percebida, mostra-se instantaneamente vazia
Como bolha de aparência tocável que estourou por leve contato

Reconhecemos a existência do desconhecido como tal
Mas a aceitação prefere uma ilusão qualquer

O desconforto antecede a mudança
O reacômodo a retrocede

sábado, janeiro 15, 2011

Combustível

A tal confusão transforma tudo num mosaico sem lógica
A cor que se une a outra e forma a arte resolveu cair
O espaço em massa crua endurecida tomou seu lugar
Permanentemente enquanto o for

Encaixa-se outro ladrilho e cria-se novas conexões
Nem sempre parecidas e definitivamente nunca iguais
O que se foi larga sua lacuna sem conteúdo ou alma

Sobram restos
Pequenos pedaços rotos do ladrilho permanecem no muro
Pequenos pedaços firmes do muro são levados por ele
O corrompido é irretornável
O novo se faz necessário

Não se perde o não tido.
Eu fui o objeto, mas perdi-me no labirinto dos sentimentos sem razão.

terça-feira, dezembro 28, 2010

Etéreo

O sofrer, como tudo, perde o próprio sentido quando é percebido. A percepção tem a capacidade de tornar tudo sutil. Ou infantil. (Infantil?)
Do enorme ao banal, essa é a propriedade.

No decorrer da consciência e da falta dela, temos criado mundos complexos. Tão complexos que não compreendemos nossa própria criação. A criatura tem garras.

Esquecer o que, quando não há o que lembrar?

Existir é muito abstrato.

quarta-feira, dezembro 01, 2010

Desânimo (ou ânimo abstruso)

Sou medíocre no que faço de melhor, por isso minha evolução deixa de sê-la.
Vira algo que é persistência
(que é insistência
que é paciência
que é excessiva)
de tentar agir quando se é a imagem da inércia.

Coberto de fuligem e pó de engrenagem, não sigo adiante por estar imobilizado.
Todo núcleo está tão compactado dentro dessa crosta que o superficial imediato acaba por se tornar permanente.

Nesse egoísmo mútuo e imposto de mim comigo mesmo, não há o social dos sentidos – a fome de mostrar ao mundo.
O que tem é o sentir
(e nele a falha
e nela a negatividade
que se excede por nada)
e só isso transborda em mim.