sábado, agosto 20, 2011

Incômodo

I
O mendigo que dorme na frente da loja falida olhou para mim. Eu não olhei de volta.
Pensei comigo se ele foi o abandonador ou o abandonado.
Pensei, na mesma situação, em qual eu seria e concluí que o agradável é o não pensar.

II
A filtragem de informações se torna cada vez mais refinada.
Tanto pelo excesso de sujeira podre, que já limpa o grosso por si, quanto pelo tamanho das partículas que conseguem atravessar a camada final. Num momento passado, a grade espaçosa deixou muitos dejetos entrarem. Estes causaram algumas avarias, devido à grosseria do material.
Atualmente, a imundice é essencial para o grau de pureza interna. Vem requintada e auxilia a criação de novos micro-organismos (danosos ou não, desde que superem a seleção natural).
Chegado este ponto, a barreira de imundice vira o filtro. Agora tudo é imundice refinada.

Penso até quando isso vai importar. Se é que importa.
Penso, ainda, se futuramente haverá pureza.
Novamente, o agradável é o não pensar.

III
Tornei-me emocional. Egocentricamente emocional.
Toda transformação passa por um afunilamento chamado “introspecção”. Neste intestino intelectual — em que tais micro-organismos atuam — toda absorção é efêmera e todo processo resulta em fezes.

Extraí o etéreo do material. Deste, criei nova matéria.
Agora toda matéria é espírito e todo espírito inexiste.

IV
Toda mudança, sem julgamento de valor, é premeditada pelo incômodo.
O prazer gera inércia ou, se gera abalo, vira combustível de si mesmo.
Se não é o objetivo, torna-se.

O ideal é estar desagradado.
O ideal é ser desagradável.

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