terça-feira, junho 26, 2012

Onírico

Às vezes eu sonho, mas isto não afeta a realidade.
As cores não mudam e as lógicas não se retorcem no mundo em vigília sóbria.
Sóbria?

Todo sonho é uma imagem deturpada de uma imagem já deturpada.
A imagem é individual e o sonho é a própria individualidade.
Eu sou meu sonho e ainda assim a imagem não muda.

Perecível e limitado, o corpo recorta pra si a realidade que lhe convém tanto quanto o sonho o faz com nosso produto imaterial.
Alma?

A alma é tão ridícula quanto o físico, mas parece ser superior e grande — pois é dela que surge a sensação de existência e o sonho do eterno.
A alma é uma plataforma pequena para nossa ainda menor necessidade de existir.

A única, a base.

Ridícula, egoísta, estúpida e, mesmo assim, faz-me ter essa visão e fome de verdade absoluta e utópica em minha ignorância animal.
No fora de mim — e somente no fora de mim — tudo é real.
Real?

Não passa de campo neutro, desenho para colorir, radiação de luz em corpo sem sombra.

A sombra? Sou eu e somente eu.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo e toda forma que eu puder inventar sem saber que invento. Ad aeternum.

(Itálico: trecho retirado do quarto verso de Tabacaria, escrito por Álvaro de Campos)

segunda-feira, abril 02, 2012

Sobrevivência

Mente, sangue e vísceras, teu interior é teu santuário.
É tua estrutura, tua base, teu mundo.
Constrói e é construído;
Ataca e é atacado;
Adapta-se ou é isolado.

Relaciona-se com semelhantes, forma laços sociais
Biológicos, fraternais, proveitosos.
Constrói com a vaidade;
Ataca com o egoísmo;
Adapta-se com a mentira.

Organiza-se em circulos, forma sociedades
Financeiras, estatais, anônimas.
É construído por poder;
Baseia forças no dinheiro;
Autoafirma-se no sexo.

Incompatibilidades são punidas até a adequação,
Seja flexível, amigável, compassivo.
Abandone ideais ou ignore-os;
Apoie as atitudes que discorda;
Deixe-se diluir ou escolha a solidão.

segunda-feira, março 26, 2012

Latência

Minha paixão é efêmera, arde e se extingue por si mesma.

Falta resistência, consistência, conexões. Falta-a em si mesma.

Abrange todo o tempo enquanto existe. Toma-me para si mesma.

Sobra número e memória.
Sobra a falta de vontade e a ausência de expressão.
Sobra volatilidade.

É como uma mosca: vive pouco, atrapalha muito e deixa ovos em matéria podre.