sexta-feira, agosto 26, 2011

Diebus Fatalibus

Aflição.

O Inferno se sublima em sentimento e me habita, como parasita que se alimenta de ânimo.

A profundeza em chamas — que jamais existiu como no mito — gera pressão, e esta esmaga seus habitantes.


Decepção.

O real ganha forma de acordo com a volição, como parasita que se alimenta de ânimo.

A superficialidade por excelência — que jamais existiu como absoluta — não gera coisa senão ambiente estéril a ser preenchido.


Esperança? De que e para quem?

Não, nenhuma. O nome é expectativa, criada pelo medo do invisível e do inesperado.

Se é necessidade vinda do medo, diz-se coragem?

Se visa afastar o embate, diz-se precaução?

Surge da pressão e vira crença?


Algo injeta significado, outro aceita e reage.

Como máquina sem vida pede combustível, pedimos sempre mais significado — daí vem o crescer, o questionamento e a sensação de existir.

Entretanto, toda mecânica falha na escassez e no excesso; quanto mais se gasta ou mais se injeta, mais se perde força e mais se percebe a finitude do efeito. Daí se vai o crescer, o questionamento e a sensação de existir.

Sobra a mecanicidade frágil e débil. Nota-se, então, a faixa limitada que pode ser processada como informação construtiva. Todo o resto é destruição, desconstrução e inexistência.

Pede-se explicação e tudo ressurge de forma anti-explicativa. Clama-se pela Verdade, mas não a conhecemos senão por véus.


O dia acabou e agora tudo é noite e incerteza.

O dia acabou e os véus tornam tudo ainda mais escuro.


Quando definimos leis, falamos de acaso. Quando definimos acaso, falamos da única lei.

O interno é fantasioso e o externo é casca oca.

Somos nada senão ilusão.

sábado, agosto 20, 2011

Incômodo

I
O mendigo que dorme na frente da loja falida olhou para mim. Eu não olhei de volta.
Pensei comigo se ele foi o abandonador ou o abandonado.
Pensei, na mesma situação, em qual eu seria e concluí que o agradável é o não pensar.

II
A filtragem de informações se torna cada vez mais refinada.
Tanto pelo excesso de sujeira podre, que já limpa o grosso por si, quanto pelo tamanho das partículas que conseguem atravessar a camada final. Num momento passado, a grade espaçosa deixou muitos dejetos entrarem. Estes causaram algumas avarias, devido à grosseria do material.
Atualmente, a imundice é essencial para o grau de pureza interna. Vem requintada e auxilia a criação de novos micro-organismos (danosos ou não, desde que superem a seleção natural).
Chegado este ponto, a barreira de imundice vira o filtro. Agora tudo é imundice refinada.

Penso até quando isso vai importar. Se é que importa.
Penso, ainda, se futuramente haverá pureza.
Novamente, o agradável é o não pensar.

III
Tornei-me emocional. Egocentricamente emocional.
Toda transformação passa por um afunilamento chamado “introspecção”. Neste intestino intelectual — em que tais micro-organismos atuam — toda absorção é efêmera e todo processo resulta em fezes.

Extraí o etéreo do material. Deste, criei nova matéria.
Agora toda matéria é espírito e todo espírito inexiste.

IV
Toda mudança, sem julgamento de valor, é premeditada pelo incômodo.
O prazer gera inércia ou, se gera abalo, vira combustível de si mesmo.
Se não é o objetivo, torna-se.

O ideal é estar desagradado.
O ideal é ser desagradável.