sexta-feira, dezembro 19, 2008

Regiane, 20 anos

O post a seguir é baseado em fatos reais ocorridos no dia 07 de dezembro de 2008.

Cozinha, fome.
Algum grunhido vindo do portão, cachorros latem.
Verificação de praxe: "Não deve ser nada."

Eis que surge, no meio do meu quintal, um ser. Um ser digno de medo, mas a defesa do patrimônio da minha família sôou mais alto.

"O que é isso, caralho!?", seguido de um "Me ajuda, moço."

Aproximei-me, notei sangue seco na careta quase natural daquele monstro. Aquilo virou de costas fazendo algo como um "tsc" e levantando a mão como quem demonstra indignação. Quem deveria estar indignado até então?

Camisa larga e grande assim como a bermuda surrada. Blusa servindo para limpar o sangue, enrolada.

Sentou no chão, apoiou as costas no muro. Novamente me aproximo, inseguro: "O que aconteceu, cara?"

"Sou menina, moço."

O bicho, meu Deus, era uma mulher.

Foi com amigos a Nazaré, não quis dar e levou pé (e mão também). Estavam em três homens e quatro garotas. Aconteceu o mesmo com uma segunda, mas morava mais perto e se arranjou. Não me pergunte porque não a acompanhou.

"Me deixaram perto daquele bosque* alí", disse mais tarde. Veio andando e pedindo ajuda. Nada. Achou uma casa aberta, oferecendo entrada. No desespero, entrou calada.

Chamei meu amigo Rafael, que prestou ajuda (tanto a mim quanto a ela). Minha prima passou na rua, viu e estranhou, entrou e perguntou o que houve.

Após alguma enrolação, ela lavou o rosto no tanque. Fedia pinga. Enquanto a vigiavam, eu me arrumava para levá-la ao ponto de ônibus. "Me deixando no metrô eu já consigo me virar". Deixando coisas de valor em casa, tranquei o portão e descemos a avenida. Perguntas simples pelo caminho para conhecer melhor a intrometida. Mora(va) em São Domingos/SP. Disse que tinha que ir até a estação Jabaquara, mas deve ter confundido com Barra Funda.

Queria ir até o metrô Armênia, mas o ponto é mais longe e mais vazio. Decidimos colocá-la no ônibus para o Tucuruvi, mesma linha, sem problemas. Chegando lá, mais algumas perguntas e silêncio. Sentou de novo no chão.

"Tem certeza que esse ônibus passa aqui?"
[...]
"Acho que não passa não."
[...]
"Regiane, 20 anos."
[...]
"Tá demorando muito."
[...]

Levanta, faz o mesmo gesto de indignação já feito antes e movimenta a boca enquanto o trânsito come o som. Foi andando para o lado contrário.
Eu e meu amigo desistimos dela e voltamos para casa.


E então o Gran Finale: o ônibus passou logo depois que atravessamos a avenida.

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*aka Calipau (Vila Fátima - Guarulhos)

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